Histórico das cobranças no Brasil
A realização de cobrança de débitos a pessoas físicas e jurídicas é bastante antiga, porém, continua sendo uma atividade atual. Houve um tempo em que a forma de cobrança era bastante agressiva e até mesmo truculenta, pois o credor exigia o pagamento, por parte do devedor, a qualquer custo.
Felizmente, os tempos mudaram e o segmento de escritório de cobrança evoluiu, tendo-se, atualmente, uma sistemática mais profissional na abordagem ao devedor.
Há 15 anos, a cobrança era vista como o último negócio de uma empresa, hoje, ocupa o segundo lugar, perdendo apenas para a atividade fim do negócio. Por exemplo, no caso de uma financeira, ela perde para o financiamento.
A cobrança, nos tempos antigos, era vista como um departamento, uma área que não agregava valor, com um chefe de cobrança. As empresas queriam apenas recuperar o crédito, não se preocupando com o cliente, o que tornava este departamento um verdadeiro carrasco, que desempenhava suas funções de forma agressiva, sem considerar o viés da fidelização. Ainda, segmentavam a cobrança apenas por atraso e por valor, assim como dispunham de uma certa facilidade em acessar o devedor.
A partir de 1988, com a vigência da Constituição Cidadã e, posteriormente, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o devedor passou a receber um tratamento mais adequado, apesar de ainda falho, e as práticas de cobrança antigas foram diminuídas. O referido Código não se preocupou com a cobrança judicial, assim como não se dedicou a proteger os maus pagadores, porém, como ponto positivo, fixou alguns critérios para o procedimento extrajudicial. Buscou-se, fundamentalmente, salvaguardar a privacidade e a imagem do cidadão, limitando o ato de busca do crédito ao contato do fornecedor com o devedor, sem envolver a família e os amigos.
O inciso III, artigo 1º, da Constituição Federal, impôs respeito à dignidade do ser humano; os incisos V, X e XII, artigo 5º, asseguram a intimidade e a vida privada do cidadão, garantindo a inviolabilidade de dados cadastrais e punindo a transgressão a este direito; o parágrafo 5º, artigo 150, obriga os governos a esclarecer aos consumidores sobre impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Enfim, a Constituição eleva o direito do consumidor ao rol dos direitos humanos fundamentais, compatibilizando com a livre iniciativa e a livre concorrência, inciso XXXII, artigo 5º e inciso V, artigo 170.
A inscrição do nome do devedor no cadastro de maus pagadores é prática que, por si só, poderia vir a ser caracterizada como ofensa à privacidade do cidadão, vez que são coletadas, armazenadas e divulgadas informações pessoais, sem autorização do mesmo.
Inicialmente, registra-se a proliferação de empresas privadas e públicas dedicadas ao cadastramento de consumidores para efeito de, fundamentalmente, analisar riscos na concessão do crédito; calcula-se em quase uma centena o número de empresas que se prestam a este ramo de atividade, figurando, entre as mais conhecidas: SERASA, (Centralização de Serviços dos Bancos S/A), SPC, (Serviço de Proteção ao Crédito), CCF, (Cadastro de Emitente de Cheques sem Fundos) e CADIN, (Cadastro Informativo dos Créditos de Órgãos e Entidades Federais não Quitados).
Além das anotações fornecidas, o banco de dados busca avidamente, entre outros, nos cartórios de protestos, em boletins informativos, jornais e Diários Oficiais, o maior número possível de informes sobre o devedor para alimentação de seus cadastros e posterior fornecimento a interessados.
Houve progresso na legislação de proteção ao consumidor consolidado com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor em 1990, uma vez que o referido código apresentou uma série de condicionantes que orientam o processo de cobrança dos inadimplentes.
Com o advento do Plano Real, houve um crescimento do crédito no Brasil. Antes da estabilização, em 1994, o mercado era carente de crédito e as pessoas eram carentes de produtos em suas residências, de repente, o acesso aos bens e produtos se tornou viável. Com o aumento do volume de financiamentos, automaticamente, a cobrança se transformou em um serviço profissional. Anteriormente, os financiamentos eram divididos em 4 vezes, hoje, é possível parcelar em até 36 vezes. Isso fez com que o consumo aumentasse, principalmente na área de varejo. As pessoas começaram a comprar eletrodomésticos, móveis, materiais de construção, veículos e outros mais. De uma forma geral, esse mercado cresceu muito. Na maioria dos empréstimos, há a intenção de pagar, porém, a pessoa pode passar por algum tipo de infortúnio e atrasar o pagamento. São poucos os casos em que a compra é feita sem a intenção de pagar.
Tomando em conta o número crescente de operações de cobrança, nasceram as empresas especializadas em cobranças e recuperação de crédito, assim como, os Contact Centers, além de serviço comerciais habituais, passaram, também, a oferecer serviços de cobrança. Ocorre que a maior parte dessas empresas lançavam mão de estratégias e expedientes de cobrança que feriam a dignidade do consumidor, indo contra às normas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, e, até mesmo, à Constituição Federal, chegando, assim, a se configurar como crime. É o que se chama de cobrança abusiva.
Hoje, o fornecedor precisa compreender que a condição eventual de devedor (mesmo em estado de insolvência) não retira a prerrogativa da dignidade do cidadão-consumidor, não ensejando à prática de cobranças vexatórias, aviltantes ou degradantes. O direito ao crédito, pois, não é um direito ilimitado e irrestrito, ele esbarra no direito à dignidade do consumidor.
Nos modelos atuais de cobrança, os melhores recursos estão sendo alocados nesta área, sob a gerência de diretores competentes ou terceirizados para empresas especializadas, com uma conscientização muito forte de que a cobrança passou a ser uma unidade de negócio e um instrumento de fidelização do cliente. Hoje, a cobrança é segmentada de várias maneiras, e o contato com o cliente tende a ser multiplataforma, utilizando-se, dentre outras, da ligação telefônica, SMS, e-mail e softwares de comunicação instantânea.
Quando a cobrança é feita de forma construtiva, vendendo ao cliente sua própria dívida, o resultado é muito melhor, o cliente se torna fiel e volta a comprar no mesmo lugar. Com o advento da humanização da cobrança, onde se vende a pontualidade, a recuperação de crédito com a fidelização do cliente se tornou muito maior.
A busca por especialização aumentou fortemente. As empresas viram que, para serem competitivas neste mercado atual, teriam que mudar, e acabaram por abraçar esta causa, demandando por serviços cada vez mais profissionais e levando a cobrança a se evoluir para uma ciência, com seus estudos acadêmicos, metodologias, teses, pensamentos, sistemas e outros mais.
Por último, nosso ordenamento jurídico, em respeito à dignidade do credor, possui meios legais, eficazes e adequados de se proceder à cobrança de dívidas, através do Poder Judiciário, com força coercitiva suficiente para obrigar o devedor solvente a pagar o débito, dentre os quais: a penhora de bens móveis e imóveis, de rendimentos, de direitos creditícios, bloqueio de contas bancárias, aplicação de multas, restrição de direitos, etc., sem que se precise, para isso, massacrar a honra e a dignidade do consumidor.